quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Gertrud Von Le Fort - A mulher Eterna



A grande romancista de O Véu de Verônica — prêmio Nobel de literatura — dá-nos, neste pequeno volume, uma autêntica obra-prima. Não cremos possa haver, no gênero, livro do igual densidade e com tamanho poder de sedução. Em certo passo, a autora cita a Ruth Schauman na "Carta de Quélion a Cleto": “As verdadeiras mulheres são silenciosas e desejam o silêncio, Mostrem-me uma mulher que escreva a propósito do que lhe diz respeito. 

Cala o que lhe diz respeito, porque o silêncio é aqui nome da vida, ao passo que a palavra discursiva é o nome da morte. O que é secreto é fecundo; o que é divulgado é raso.” Teria Gertrud Von Le Fort rompido o silêncio? Não; não é de si que ela fala. Nem foi usando a lógica e seus conceitos abstratos - que desvirtuam o pensamento vivo - que a grande escritora compôs esta grande obra. Preferiu a linguagem dos símbolos.

A "Mulher Eterna" está no antípoda do superficial "eterno feminino", responsável por tantas expansões medíocres nas letras e nas artes. Ocupando-se da "mulher eterna", Gertrud Von Le Fort realiza, como diz ela própria, um rápido circuito em redor do "dogma de Maria".

E não o faz mediante interpretações arbitrárias ou pessoais. Antes, interroga a arte. Por exemplo: a Fra Angelico, a Verlaine, ao Apocalipse, à ladainha de Loreto. Também às figuras femininas mitológicas, sem entretanto deixar de acentuar que o dogma católico enunciou as proposições mais fortes que jamais foram expressadas a respeito da mulher. A Igreja, insiste a autora, não se contenta, no sacramento do matrimônio, de igualar a si mesma todos as mulheres: ela proclamou ainda uma mulher Rainha do Céu! E é preciso aprofundar ainda mais o mundo dos símbolos, pois o tema da feminilidade ressoa através da criação inteira. "Igual às harmonias dum prelúdio em tom menor, vibra em surdina por cima da gleba fecunda. Vibra por cima das comoventes fêmeas das feras quase subtraídas, por causa da maternidade, do mundo do deserto e da selva."

Dois motivos essenciais da feminilidade, ou do mistério feminino, percorrem todo o livro: o motivo da cooperação e o motivo do véu. Maria é a Co-Redentora. A auréola da glória do Espírito Santo, do Amor incriado, é uma coroa, porém é o derradeiro véu, o véu eterno posto sobre a cabeça da Virgo Mater! A mulher age, em todas as circunstâncias, à maneira da nubente, sob o véu. Ainda, ou talvez, sobretudo, quando encarregada de missões excepcionais. Catarina de Siena, lembra a autora, recebera o encargo de levar o Papa de Avinhão para Roma: está ausente, velada, quando o Pontífice transpõe a entrada da Cidade Eterna. Joana d'Arc recebeu o estandarte das batalhas e conduziu o seu povo à libertação. Seu véu foram as labaredas da fogueira.

A Mulher no Tempo”: é o tema que se segue. Misteriosa a função da mulher no tempo. De certo, cabe-lhe representar a metade da existência e do destino humano.  Todavia, bem se sabe que não é a mulher, e sim o homem e suas obras que modelam a face da História. Ainda uma vez o motivo da cooperação se oculta sob o véu.



E essa metade do homem e de seu destino é em símbolos que se vai realizar. O símbolo, por excelência, e aqui a esposa. "Deus colocou, irrevocavelmente, a feminilidade como uma das metades do ser." Por isso, se a vida feminina se apresenta através de três tipos imutáveis, a virgem, a esposa, a mãe, tais tipos não se excluem uns aos outros. Apenas a esposa, que não é só a companheira da vida do homem mas também a companheira de seu espírito, se situa entre a virgem e a mãe, como entre a pessoa e a raça, "e transpõe já a linha que as repara. A virgem salva-guarda para o homem a pessoa, o valor supremo e solitário da cultura, a esposa assegura ao homem a colaboração duma metade do mundo. No domínio da natureza, ela libera o homem do sua solitude, no domínio do espírito, ela o libera dos limites que lhe impõe a pessoa. É a presença do mistério feminino que torna inteligível a parte de anonimato incluída em toda grande obra."

E a “Mulher Fora do Tempo” realiza-se na maternidade. É a última parte do livro, talvez a mais bela de todas, por certo irresumível. Ser mãe não pode ser nunca a missão particular das mulheres duma época; é pura e simplesmente a missão da mulher. Virgem, mantém-se isolada em face do tempo; esposa, divide o tempo com o homem que se mantém no tempo; mãe, ela traspassa o tempo. "A mãe é a imagem do infinito terrestre. Os milênios passam por sobre suas alegrias e suas dores som deixar traços: a mãe é sempre a mesma, a mãe é a plenitude imensa, o silêncio, a imutabilidade da vida na concepção, na gestação e no parto."
Assim é o livro de Gertrud Von Le Fort, de uma beleza literária, de uma profundidade de pensamento, de uma riqueza de sugestões que fazem honra a nosso tempo. Texto retirado das orelhas do livro.

1953 - 158 págs

Créditos ao site Alexandria Católica

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